domingo, 2 de março de 2008

Chega a noite

A noite é o medo, o risco do assalto, o perigo da emboscada, a possibilidade do roubo ou da morte, o espectro das possibilidades doentias.
Há nos bairros como que uma doença, uma doença social prolongada, formada por sucessivos problemas encavalitados uns nos outros, com coeficientes diferentes, mas todos confluindo para uma mesma situação de mal-estar profundo.
Já não basta viver com dificuldades de sobrevivência: mesmo essas dificuldades são motivo de assalto, de pilhagem.
A espoliação, física e moral, espreita cada cidadão.
A doença social indiferencia toda a gente, qualquer pessoa está à mercê da doença, reina um profundo eclipse cultural.
A suspeita está em cada ponto, em cada poro.
Existe como que a consciência ao mesmo tempo súbita e perene da perda do social, das regras, da moral, o mesmo está em todo o lado e o mesmo é o crime, o medo, a insegurança, a ausência de futuro.
Cada morador sente que existe uma poluição social, poluição contra a qual não há defesa pois o vazio institucional é evidente, o futuro inexiste, o presente é o desenrasca, a polícia não protege, o Estado está nas ruas iluminadas, lá longe, no bem-estar.
Uma noite alguém surpreende uma tentativa de roubo.
Ou alguém vê passar outro alguém cujos sinais exteriores lhe parecem suspeitos. Esse alguém está casado com a noite. Se a noite é suspeita, ele também é suspeito.
É ninja e pronto.
Não importa se é realmente meliante conhecido.
O que importa é que ele é suspeito.
E se é suspeito, logo é culpado.
O suspeito é tão misterioso e estrangeiro quanto a noite.
E surge um grito súbito: Ladrão!!!!!
Linchamentos, eclipse do social e bodes expiatórios.
In ;http://oficinadesociologia.blogspot.com/

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