Jornalismo investigativo !
DROGAS:
Revisitando a história recente
Por Paul Fauvet
Quando a 1 de Junho o presidente
Barack Obama nomeou o empresário
Mohamed Bachir Suleman como um
barão da droga, a reacção avassaladora
nos media moçambicanos foi de surpresa,
choque - e até mesmo de condenação aos
americanos por arruinarem um empresário
supostamente inocente.
No entanto, a movimentação norteamericana
contra um alegado “barão” de
drogas moçambicano não deve constituir
nenhuma surpresa. Desde meados da
década de 1990, Moçambique tem sido
usado como corredor por traficantes de
drogas, mas até agora nenhuma figura
chave no tráfico já foi condenada.
Grandes apreensões de droga
foram feitas. Assim, em 1995, a
polícia apreendeu 40 toneladas de
haxixe transportadas por Maputo,
em dois camiões. As investigações
definharam , e a única pessoa verdadeiramente
presa em conexão
com esta apreensão foi o condutor
de camião Samssudine Satar.
Também em 1995, um laboratório
para a produção de mandrax
foi descoberto no bairro Trevo,
na cidade da Matola. As pessoas
que lá trabalhavam atearam-lhe fogo,
mas esta tentativa de destruir as
provas não deu certo, e os policiais
concluíram que o equipamento existente
era para a produção em massa de
mandrax, uma droga para a qual existe
um grande mercado na África do Sul.
Os dez trabalhadores asiáticos
presos no Trevo, na sua maioria
recrutados nas ruas de Bombaim, foram
liberados pelo procurador provincial de
Maputo, Luis Muthisse, apesar de um
juiz se ter recusado a conceder-lhes
fiança. A intervenção do Muthisse (que
perdeu seu trabalho neste escândalo) foi
um dos muitos indícios de conluio de alto
nível com os traficantes.
Os dez asiáticos, apesar de serem
paupérrimos, foram capazes de contratar
os serviços de um advogado de topo,
Maximo Dias, que se recusou a dizer aos
repórteres quem lhe estava pagando.
Coincidentemente, Dias é agora o
advogado de Mohamed Bachir Suleman.
Os equipamentos para a fabricação
do mandrax tinham sido importados
através da empresa de pesca Afropesca.
O director-geral da Afropesca, o
empresário espanhol Luis da Costa Virott,
foi preso, sob suspeita de tráfico de
haxixe do Paquistão para Moçambique.
Como os dez asiáticos, ele foi misteriosamente
libertado após a intervenção
de um advogado português de renome.
A liberação foi condicionada a Virott
permanecer no país - mas alguns dias
depois ele estava num avião rumo a
Lisboa e não houve nenhuma tentativa
para detê-lo.
Em Agosto de 1997, 12 toneladas de
haxixe foram apreendidas a partir de um
esconderijo em Quissanga, na província
nortenha de Cabo Delgado. Um empresário
conhecido, Gulamo Rassul, foi preso em
conexão com este caso. Esta foi a sua
segunda prisão em conexão com drogas
- ele já havia sido nomeado em conexão
com o tráfico de haxixe para a América e
Europa a partir do porto de Nacala, em
recipientes onde a droga era disfarçada
como chá.
Quando este caso foi a julgamento
no ano seguinte, intervenientes menores –
pescadores de Quissanga e proprietários
de embarcações – receberam longas
sentenças, mas os homens que a acusação
considerava como os barões da droga,
Rassul e um certo Momade Bachir
(nenhuma relação com Bachir Suleman),
foram absolvidos. Assim, o motorista de
Rassul apanhou uma pena de cadeia de 12
anos, mas o juiz levou o público a acreditar
que Rassul não sabia nada da actividade
do seu motorista.
Tráfico ocorre também de barco
pelo Canal de Moçambique, em águas
territoriais de Moçambique. Isso veio à
luz dramaticamente quando um barco
que transportava haxixe encalhou nas
rochas ao largo da costa da província de
Inhambane, em Junho de 2000. Cerca
de 16 toneladas de haxixe acondicionado
em latas deram à costa.
Os nove paquistaneses que escaparam
do naufrágio foram condenados
a longas penas de prisão. Mas nada de
novo foi revelado sobre o destino do
haxixe ou os seus proprietários.
Aqueles que têm investigado o
tráfico de drogas, chegaram a algumas
conclusões surpreendentes. Com sede
em Londres, o jornalista Joseph Hanlon
escreveu, num artigo publicado em 28 de
Junho de 2001, no “Metical” editado por
Carlos Cardoso, que “o valor das drogas
ilegais passando por Moçambique é
provavelmente mais do que todo o
comércio externo legal combinado, de
acordo com peritos internacionais” (Isso
foi antes da fundição de alumínio Mozal,
a base das exportações de Moçambique,
ter atingido a sua produção de cruzeiro).
Esses peritos (que não foram
nomeados) “estimam que mais de uma
tonelada por mês de cocaína e heroína
estão agora passando por Moçambique”.
Aquele tráfico de drogas mensais
tinham um valor de retalho estimado em
cerca de 50 milhões de US dólares.
Dado que Moçambique é essencialmente
uma via de trânsito ao invés
de um consumidor de drogas ilícitas, a
maior parte do dinheiro das operações
acaba fora do país. Mas Hanlon sugeriu
que talvez 10 por cento fosse a quota
dispensada aos traficantes locais - o que
seriam 60 milhões de dólares por ano.
Hanlon sugeriu que “o dinheiro da
droga deve ser um dos factores dos
crescimentos recorde de Moçambique
nos últimos anos”.
Este artigo identificou duas rotas da
droga. Hanlon escreveu que a heroína se
movimenta do Paquistão para o Dubai,
em seguida, para a Tanzânia e
Moçambique, antes que seja eventualmente
canalizada para a Europa. A rota da cocaína
está noutra direcção “da Colômbia para o
Brasil, depois para Moçambique a caminho
da Europa e da Ásia Oriental”.
Hanlon alegou que o dinheiro destas
drogas duras, mas também do haxixe e
mandrax, é lavado por meio de bancos e
casas de câmbio. A explosão do número
de casas de câmbio (41 no momento do
artigo de Hanlon) é certamente difícil de
explicar, dado o tamanho relativamente
pequeno da economia legal.
O artigo de Hanlon, não suscitou
qualquer desmentido indignado. Nenhuma
fonte oficial tentou refutar as afirmações
de Hanlon. E Hanlon estava longe de estar
sozinho no alerta para os perigos do tráfico
de drogas, lavagem de dinheiro e o crime
organizado.
Num discurso feito num seminário
internacional realizado em Coimbra em
2003, o juiz Augusto Paulino, agora PGR,
assinalou muitos dos mesmos pontos. Ele
concordou que Moçambique se tornou
uma zona de trânsito no tráfico de cocaína
e que uma segunda rede “activa desde
1992, constituída principalmente por
cidadãos paquistaneses e moçambicanos
de origem paquistanesa, se está
concentrando em haxixe e mandrax”. No
topo disto, vem a rota da heroína, a partir
do Paquistão para a Tanzânia e Moçambique
e depois para a Europa.
“As várias redes de tráfico de drogas
são empresas bem organizadas”,
disse Paulino, “talvez mais organizadas
do que as estruturas do Estado, envolvendo
importadores, exportadores e transportadores
de drogas, operadores no
terreno e informantes”.
Paulino não tinha dúvidas de que
isso só foi possível com a conivência
de funcionários corruptos dentro do
Estado moçambicano. “Os funcionários
aduaneiros são subornados para deixar as
drogas passarem, os oficiais de imigração
facilitam documentos de identificação e
de residência, os policiais são pagos para
olhar para o lado, e é ainda dito que os
magistrados recebem subornos para
ordenar liberações ilegais”, observou ele.
Os lucros da droga foram lavados,
e o resultado foi a proliferação de “mansões
e carros de luxo” - mas parte do dinheiro
seria “reinvestido” em negócios legais
para dissipar suspeitas no futuro”.
Nos sete anos desde que Paulino
falou, nenhum traficante significativo foi
preso, mas há poucas dúvidas de que
Moçambique continue no mapa dos
traficantes. Regularmente serviços
policiais e aduaneiros anunciam a
apreensão de cocaína nos aeroportos de
Maputo e Beira, muitas vezes transportada
no estômago de jovens mulheres
moçambicanas que viajam a partir do
Brasil.
Em nenhum caso, as mulheres
revelaram quem as contratou. O medo de
represálias é claramente maior do que o
medo da prisão. E por todos aqueles que
estão presos - quantos mais passam os
aeroportos sem serem detectados?
Um dos parlamentares mais experientes
no Partido Frelimo, Teodato Hunguana,
em 2002, advertiu que se o Estado
não tomar medidas contra os bandidos,
serão os bandidos a capturar o Estado.
“A única maneira de impedir que o
Estado caia definitivamente nas malhas
do crime é desencadear uma guerra sem
quartel contra os senhores do crime”,
disse Hunguana. Se a guerra fôr limitada
apenas aos homens do gatilho e aos
peixes pequenos, deixando de fora o que
os americanos chamam de “barões”
intocáveis, isto permitirá que eles” se
tornem cada vez mais poderosos e
capazes de tomarem o próprio Estado”.
Quando Paulino ou Hunguana
fizeram soar as suas advertências, eles
foram amplamente aplaudidos pelos
meios de comunicação do país - os
mesmos media que hoje levantam as
mãos horrorizados por o presidente
norte-americano e o Departamento do
Tesouro terem dado um passo sério na
luta contra o crime organizado.
É claro que teria sido muito melhor
se os departamentos moçambicanos
encarregues da aplicação da lei e ordem
moçambicana estivessem dispostos e
aptos a identificar e trazer à justiça os
barões da droga. Porque não fizeram
isso, é perfeitamente razoável que os
americanos tenham decidido tomar
medidas para proteger o seu sistema
financeiro de dinheiro sujo de Moçambique,
assim como eles fazem quando o
dinheiro vem da Colômbia.
Obama merece elogios pela sua
acção, e não um coro abusado de antiamericanismo
barato.
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