quarta-feira, 28 de abril de 2010

Tony Django

Memórias de uma alma quase pura!
1. Nesse dia Salimo Mohamed
ia agredir Tony Django,
mas não teve coragem. Olhou
para o vocalista do Kapa Dêch
e tremeu. Mesmo assim Salimo
não vacilou: avançou contra
o jovem, que esperava, sem
medo, como no dia em que os
judeus vergastaram Jesus Cristo.
Os que estavam perto dos
dois artistas – incluindo eu –
também tremeram porque, se
o autor de Dawula Mananga
tivesse investido sobre Tony
Django, seria o fim do mundo,
porque Tony não foi feito
para ser agredido. O mote era
uma garrafa de whisky, metálica,
pequena, que Tony trazia
no bolso. Estendeu-a e disse,
dirigindo-se a Salimo: Dzudza
Muzimba, bebe lá esta cena.
Salimo Mohamed pegou na
garrafa e, quando quis verter o
líquido para as goelas, a mesma
não tinha nada. Tony Django
ensaiou um sorriso puro
que irritou o monstro. Este quis
atirar o recipiente para a face
do Tony, mas não o fez, quis
agredi-lo com as mãos e não
teve coragem. Avançou contra
o jovem, perante a expectativa
de todos que estavam nos
camarins à espera do espectáculo
que Salimo ia protagonizar
daí a pouco na cidade da
Matola, e que levava o nome
de Mugurutchendje. Quando
chegou perto do vocalista do
Kapa Dêch, que estava ali para
ver o seu ídolo e amigo, Salimo
Mohamed tremeu mais.
Os dois abraçaram-se, como
irmãos, e choraram. Como
duas crianças!
2. Agora estamos em
Nelspruit, na África do Sul, e o
Kapa Dêch está indicado para
actuar no festival Joy of Jazz.
Há uma grande expectativa
nos sul-africanos que vinham
de todo o país de Nelson Mandela,
incluindo Zwake Mbuli,
Sibonguile Khumalo, Ray Phiri
e outros astros que ia àquela
cidade para fazer a festa. E
Tony Django fazia parte dessa
constelação de estrelas.
Porém, do lado da banda, há
uma grande apreensão porque
o vocalista está doente,
está com malária. A boa disposição
que trazia de manhã
desvaneceu e com Tony Django
naquelas condições o Kapa
Dêch não podia tocar. O jovem
está a dormir num Motel
preparado para acolher o grupo,
ali perto do local onde ia
se realizar o show. Tony está
a dormir, coberto e cheio de
frio. Sabia que o Kapa Dêch
actuaria na hora nobre e isso
significa alguma coisa. Foi assim
que, desprezando as dores,
levantou-se, visivelmente
débil e pediu um gin tonic .
Bebeu e sentiu os arames que
lhe penetravam as veias e disse:
vou cantar! Ninguém acreditava.
Tony não podia estar
em condições mas ele voltou
a dizer: malta, vamos embora
eu vou cantar. O Kapa Dêch
é muito importante para eu
não cantar. E foi cantar, o Tony
Django, como se não estivesse
doente. Cantou ao lado de Roberto
Isaías e todos os que estavam
ali para desfrutar da boa
música, perguntaram: quem é
este miúdo!?
3. Na primeira vez que
subiu ao palco, toda a plateia
do “Scala” levantou-se
para aplaudir um homem que
toca quase a santidade. Nunca
ninguém esperou que Tony
Django pudesse ser chamado
a participar num concurso de
dança, porque de dança não
sabe quase nada. O corpo que
o homem tem, levezinho, pequenino,
foi feito para sustentar
aquela voz de metais raros,
que vai ribombar por muito
tempo nos corações das pessoas.
Tony aceitou o desafio e
todos os colegas que com ele
estiveram no “Scala” sentiram
o prazer de estar perto deste
artista. Que arrebatou Maria
José Sacur, ao ponto de ter
que fazer muito esforço para
não verter lágrimas, ao falar
de Tony Django: um homem
quase puro, que não ganhou
o concurso de dança, mas que
ganhou o concurso da vida.
4. Estamos a voltar de
Pretória, onde o Kapa Dêch
acaba de participar no Festival
Opi Kopi, onde, de entre
outras estrelas, actuou Brenda
Fassie, numa presença que
seria das últimas da sua vida.
Tony Django estava no banco
de trás, no carro. Olhei para
ele e estava a dormir. Retiniu o
telefone. Acordou e atendeu.
Era um moçambicano que residia
na África do Sul e que
queria saudar o nosso compatriota.
Tony, ao reconhecer a
voz que falava do outro lado
disse: você mudou de nome
para não ser reconhecido?
Quero o meu dinheiro! Olhamos
todos para o homem, que
se divertia com a voz que falava
através do celular. Quero
o meu dinheiro, não quero saber
da mudança do teu nome,
nem nada! Tony falava a brincar.
Gostava de brincar, assim
como adorava cantar.
5. Descemos – à noite –
entre Malelane e Komatiport,
na África do Sul: Tony Django
e eu. Dirigimo-nos a uma
tasca onde se vendia cerveja e
nós queríamos beber. Mas, segundo
soubemos mais tarde,
tínhamos pisado uma zona de
alto risco. Ali era um reduto
de bandidos e a possibilidade
de sairmos incólumes era por
demais remota. Chegamos,
tínhamos randes nos bolsos,
exibimo-los no pagamento
das bebidas e retiramo-nos. E
nem nos apercebemos de que
alguém nos controlava, até
que, de longe ouvimos, em
zulu: deixa-lhes, aquele é o
Tony Django, do Kapa Dêch.
*Em homenagem a Tony
Django, falecido no dia 19
deste mês na cidade de Maputo.

Alexandre Chaúque
alexandre.chauque@calowera.co.mz

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