quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Amigos

Tenho um absinto nas janelas do medo. Um ópio fulgurante que me trespassa com os meus próprios dedos.
Não sei da escrita.
Presumo, igualmente, que também ela nada saiba de mim.
Leio pouco. Leio pouco porque perdi o exercício de me ler, de abrir os estores das palavras, as persianas dos inusitados versos. Agora, tão somente, redijo, coisas obscuras, pensamentos em despropósitos lugares, vulgares, inócuos. Insentidos porque não consigo descobrir-lhes sentido algum.
Sei disto, com a justa ignorância que me cabe e que mascarei em todos os livros que admiti fossem e não são, nem foram e irremediavelmente nunca serão livros.
Apenas uma leve e ingénua pretensão àquilo.
Digo-vos, muito embora mo custe tanto dizê-lo: O que escrevi nunca se escreveu a si mesmo. São, apenas, rasgos de insubtilezas que quis subtis e perante os quais nem se quer fui digno de os merecer feliz. Tudo se tornou pequenas e banais idades, descomeços sem princípios, fins a que nada ousei voltar.
Partidas sem ter ido. Regressos sem a coragem de retornar.
Revejo-me pensando imensamente nisto. Tão imensamente que já vaguei a seriedade com que o deveria estar fazendo.
Mas, anoto: muita gente pensa no que faz tão pouco. E isso, de algum modo, transporta-me a um desmedido e anotável conforto. Egoísta como são todos os confortos.
O meu não seria pior, mas melhor.
Melhor porque é melhor que não seja este fracasso tão pessoal e intransmissível. Tão identitário. Tão tributário.
Não tenho cabeças, nem mãos para pensar de outra maneira. Aliás, duvido que haja em mim capacidade para fazê-lo ou sobreviva, férrea, certa vontade para acreditar que o faça. Não há rostos inteiros e serenos que mascarem tamanho fracasso, nem palhaço algum que o carnavalesque
Guardo, tal como a vida, as mãos atadas ao coração, sem cabeça que o sirva, nem pálpebras, nem secretas rugas, nem desmesuradas expressões ali esquecidas. Sou o alvo do que ouso redigir. Sou o espelho do lado interior dessa face. Crónica extensa, maleapaixonada, lenda súbita e incerta quando perscrutada.
Todas as noites, roo as unhas a esta disfunção: não ter casa na minha própria escrita. E deambulo nela, como consequência do que se ocasiona desabitável nesta desavença. Têm noites em que me apetece lá voltar. Escolher a maturidade do desistir. Outras, em que simulo a móvel barulheira de as pernoitar.
A escrita desassossega-me.
A escrita desassossega-se.
Morre-se na descompressão. Não embalo visões que o evitem. Não tenho pulmões que o resignem.
Natalíciamente o pai natal é uma sombra desmaiada, um carnívoro e capitalizável engodo.
Para mim, é claro.
Para mim que criar é um fim de tarde, é uma parede sonâmbula a movimentar-se.
E pergunto:
que alegria tem-me visto nas feridas dolorosas a que resisto? Que sangue a sinaliza? E calo-me gritado e ouço-me nesse duvidoso lugar onde ali é, então, a memória que progride, a memória que se enquista, na certeza adolescida, na ansiedade desfalecida pelo fogo das feridas, pela dor escurecida de um poeta acidental na morada acidentada da sua própria escrita.
Assim seja o meu natal um feliz final para a poesia que me esquiva e uma história embebedada na ternura da sua película.
Com apreço

Eduardo White

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