foto; Sérgio Santimano (da série "Caminhos" 1992-3)
Somos, como acontece com muitas outras, uma sociedade com os seus usos e costumes. Uma sociedade que não se fechou em si próprio e se apropriou, ao longo dos tempos, de outros interessantes valores, tendo introduzido no seu corpus muitos outros hábitos, o último dos quais, o de falar mal, seja do que for, seja de quem for. Falar mal tornou-se uma espécie de catarse na nossa sociedade, e se não nos precavermos com urgência, não tarda que esse hábito se transforme numa cultura. Como geralmente nunca somos os culpados de nada, há quem diga que herdamos esse defeito dos portugueses que por tudo e por nada põem-se a falar mal, a colocar rastilhos em toda a parte. Coitado dos portugueses. Se quiser saber de um moçambicano como vai a sua vida, sabe-se, de antemão, qual vai ser a sua resposta, quer dizer, vai falar mal de tudo e de todos. Se pelo contrário disser que a vida anda bem, que se encontra tudo nos trinques, vai ser olhado com alguma suspeita, porque a atitude geral é a choraminguice, o pensamento negativo, o deitar a culpa aos outros. Quando um nosso concidadão fala bem, principalmente dos nossos governantes, recaem sobre ele olhares de desconfiança, como se fosse uma pessoa doutro mundo. Como se fosse um traidor!
Existem os que falam mal mesmo que não se justifique. Fazem-no por uma questão de solidariedade, porque quando um moçambicano chora todos outros o devem fazer, mesmo que não exista nenhuma lágrima no canto do olho. As únicas pessoas que normalmente falam bem, aqui no País, são os turistas. Falam bem do nosso clima, falam bem do nosso governo, falam bem da nossa comida, falam bem (se forem homens) das nossas bonitas mulheres. E, surpreendentemente, falam bem de nós! Por isso é muito agradável conversar com um estrangeiro, porque permite ouvir falar de qualidades que afinal de contas possuimos à sobra!
Quando alguém se senta na mesa dum bar deve o fazer com as devidas precauções, escolher uma companhia que seja conveniente a sua necessidade de sossego. Caso contrário, ao longo da conversa, virão frase como: Isto já não interressa a ninguem, O fulano de tal não passa dum invejoso que me desgraçou a vida, São todos uns corruptos, e etc, etc! Quer dizer, se você deseja relaxar, o melhor que deve fazer é ficar em casa, que cá fora anda todo o mundo com a espingarda na mão, engatilhada, pronta a disparar, ou seja, pronto a falar mal.
Outro dia dizia alguém que somos assim porque não fazemos greves, daquelas de sair à rua, os disticos cheios de reivindicacões, a falar das nossas raivas e desencantos, a libertarmo-nos daquilo que nos corroi. As nossas greves fazem-se em surdina, na conversa dos bares e esquinas. As nossas greves não passam apenas de greves faladas. Mais nada. Mas quem sabe se não aprendemos isso dos nossos respeitaveis politicos que, nunca em público, se dignaram a falar bem dos outros politicos? Qual é o estrato social mais indicado para nos dar os bons exemplos?
O falar mal ganhou recentemente um outro aliado: o pessimismo! A maior parte dos moçambicanos transformou-se, duns tempos para cá, em fervorosos pessimistas. Perderam a confiança. Mesmo quando são felizes já não acreditam. Isto é, não sabem acreditar. Há no País pessimismo a dar no pau, aos montes, para dar e vender. Por exemplo, ha péssimismo quando se fala sobre os contornos da nossa Justiça; há pessimismo no desporto, ninguém acredita na selecção nacional de futebol, por isso são evasivos os comentários desportivos dos jornais e tão vazias as bancadas dos nossos estadios! Ninguém acredita que somos capazes de acabar com a pobreza. Ninguém! Ser o contrário disso, isto é, ser-se optimista, ter esperança, falar bem das pessoas, elogiar os feitos que merecem ser elogiados, tornou-se um caso raro. Cresce em cada dia que passa o número de pessoas que se recusam a compreender que é preciso acreditar para vencer, como acontece, por exemplo, com os adeptos do futebol inglês que nunca se cansam de puxar pela sua equipa, do principio ao fim, mesmo quando o resultado é desfavorável. Se fossemos como os ingleses ficavamos felizes da vida.
Não é, pois, por acaso, que cansados de buscar a esperança na palavra do homem e nas coisas materiais, as pessoas acabaram nos últimos tempos se refugiando na religião. Por isso as igrejas voltaram a encher. Sabe-se lá se Deus acabe por lhes ensinar, talvez, a falar bem e a acreditar !
Marcelo Panguana
escritor e crítico literário
Mocambicano (Maputo)